12 de agosto de 2015

Sobre Picross e pixel art

Hoje vou falar sobre uma das minhas séries de puzzle favoritas, ao lado de Tetris e Puzzle League: Picross. Não apenas ela possui uma lógica muito legal e desafiadora, como ela também me fez apreciar mais pixel art, e este vai ser o foco deste post. Portanto, vamos começar com uma pequena avaliação:

Picross (série)



Desenvolvedora: Jupiter. Estarei focando nos Picross feitos pela Jupiter e publicados pela Nintendo, mas existem diversos outros jogos de Picross para diversas plataformas com diversos nomes, e mesmo versões no papel (ele nasceu como um puzzle no papel, mais pra frente conto a história dele). Acredito que a minha análise sirva para qualquer versão de Picross, com a exceção de Picross 3D para o DS, que considero um jogo à parte, com uma lógica própria (mas isso não significa que ele seja pior que os Picross 2D, muito pelo contrário, é legal pra burro, se puderem jogá-lo algum dia, joguem).

Jogos que joguei e respectivas plataformas:

Mario’s Picross (Game Boy)

Picross DS (DS)

Picross e, e2, e3, e4, e5 e e6 (3DS) - Caso não tenha ficado claro, são seis jogos diferentes, cada um com puzzles exclusivos.

Apesar de eu achar que estão começando a ir meio longe para achar imagens novas.
Censurei o número do puzzle para não dar spoiler, só pra avisar.

Preços (na data deste post):

• Mario’s Picross: US$3,99 no Virtual Console do eShop do 3DS.

• Picross DS: Não faço idéia, é preciso encontrar o cartucho físico por aí, que ainda não lançou no Virtual Console. Boa sorte.

• Picross e, e2, e3, e4, e5 e e6: US$5,99 cada no eShop do 3DS.

Quesito avaliado: Capacidade de aumentar a apreciação de pixel art por parte do jogador.

O que é Picross? Comecemos com um pouco de perspectiva histórica: Picross é a versão Nintendo do Nonogram, um tipo de puzzle criado em 1987 por Non Ishida, uma designer gráfica japonesa. Após ganhar um concurso de “ilustrações criadas a partir de luzes ligadas ou apagadas num edifício”, ela se inspirou a criar um puzzle pictográfico baseado nas suas “artes de janelas” e publicou-os na revista onde trabalhava. Numa daquelas estranhas coincidências históricas, Tetsuya Nishio, um criador de puzzles profissional, havia inventado exatamente o mesmo jogo e publicado em outra revista.

De qualquer maneira, os Nonograms se popularizaram no Japão e mais tarde no ocidente, principalmente no Reino Unido. Aproveitando a febre em torno do puzzle, a Nintendo criou sua versão, nomeando-a Mario’s Picross e lançando-a para o Game Boy em 1995 ao redor do mundo. O jogo foi um sucesso no Japão, mas fracassou no ocidente, onde não foi muito bem recebido nem pela crítica (um crítico chegou a afirmar que o jogo o fazia pensar demais, e isso cansava seu cérebro) (sério) (muita vontade de fazer um comentário desagradável sobre a inteligência média americana, mas melhor não) nem pelo público. Isso levou a Nintendo a manter a série presa em terras japonesas por doze anos, até o lançamento de Picross DS em 2007, quando Picross retornou e encontrou um público cativo por aqui, como eu, comprei todos os Picross lançados desde então, nossa, como eu adoro Picross. Picross, Picross, Picross.

Como se joga Picross? Então. É difícil de explicar sem ser jogando. A página da Wikipedia até tenta, quem quiser vai lá ver. Nos jogos da Jupiter/Nintendo tem tutoriais e a dificuldade das fases cresce num ritmo lento, facilitando o aprendizado. De qualquer maneira, vou fazer uma versão simplificada com algumas imagens e sem as técnicas mais avançadas, o que faz o jogo parecer ou ridiculamente fácil ou bizarramente difícil.

Tudo começa com uma grade de quadradinhos em branco com um monte de números em cima e à esquerda.

Esses números indicam quantos quadradinhos pretos em seqüência existem em cada fileira ou coluna.

Você vai preenchendo os quadradinhos de acordo com o que você for deduzindo dos números…

…tanto os quadradinhos pretos quanto aqueles que ficam brancos, onde você põe um xiszinho (mais para facilitar a visualização do que ser obrigatório para terminar o puzzle),…

…até formar a imagem. No caso, é um narwhal, narwhals, swimming in the ocean, causing a commotion, coz they are so awesome! (eu fui fazendo este puzzle e tirando os screens, eu não sabia o que ia formar no final, foi sem querer, mas agora estou com a música na cabeça e vou infectar vocês também).

Para quem é esse jogo? Num primeiro momento, parece ser um jogo só para pessoas que gostem de números e desafios de lógica, ou seja, gente que nem eu. Ficar contando quadradinho e deduzindo onde colocar cor ou xiszinho é o que eu chamo de diversão pura.

Mas existe um outro tipo de gente que eu acho que pode vir a gostar de Picross: fãs de pixel art. Pois foi Picross que me fez apreciar mais pixel art.

Uma tecnologia primitiva?


Pixel art, assim como Picross, é uma coisa complicada de explicar para quem não entende.

Porque parece uma coisa “low-tech”.

Parece uma relíquia do passado, uma coisa que só foi criada porque era a única maneira que os computadores e videogames antigos conseguiam exibir imagens, uma arte que nasceu de uma restrição tecnológica, e que não faz sentido continuar existindo num mundo com gráficos HD e vetores e realidade virtual e sei lá o que mais.

Com vocês, o futuro dos games (contexto).

E, sendo bem sincero, por algum tempo também pensei assim.

Quem não ficou maravilhado na primeira vez que viu gráficos poligonais 3D? A primeira vez que viu o Mario ou o Sonic em 3D? A primeira vez que explorou Hyrule em 3D?

Para quem viveu essa transição dos games do plano 2D para o 3D, do pixel para o polígono, durante a geração Playstation - Nintendo 64 - Saturn (ou mesmo antes, com alguns jogos para PC), essa evolução foi um momento mágico, onde os games pareciam poder fazer qualquer coisa, graças à adição do glorioso eixo z.

Ou pelo menos foi assim para mim. Não posso realmente falar em nome de todo mundo.

A questão é: comecei a ver os gráficos 2D como algo primitivo. Velho. Menor. Para um jogo ser bom, era preciso ter gráficos 3D e muitos polígonos, quanto mais, melhor. Acho que até hoje muita gente pensa assim.

Agora seria a hora que eu falaria de como Picross mudou minha visão sobre pixel art, até para o texto ficar redondo e coerente.

Infelizmente, eu não planejo meus posts tão bem assim, e a verdade é que realmente me levou a mudar de opinião sobre pixel art foi o Game Boy Advance. Perceber como eu me divertia com jogos como Fire Emblem, Advance Wars, Castlevania e Golden Sun mudou minha opinião sobre jogos 2D com pixel art e sprites, que gráficos não são o principal fator para determinar a qualidade de um jogo.

Mas o GBA não foi o que me fez perceber o que faz pixel art realmente especial, essa honra fica com Picross.

Porque com Picross eu entendi a beleza da simplicidade e da abstração em torno de pixel art.

Impressionismo digital


Para variar, sinto que eu preciso começar com um adendo: não sou um grande entendido de arte… ilustrada? Pictográfico-estática? Imagético-analógica-não-narrativa? Enfim, estou falando de pintura, desenho e ilustração, artes 2D estáticas (em oposição à cinema e animação) que não são fotografia ou quadrinhos. Só estou fazendo essa separação por uma questão argumentativa, e não para desmerecer nenhuma das demais artes. Para facilitar o resto do texto, vou usar o termo “obra ilustrada” ou “arte ilustrada”. Outra coisa: toda vez que elogio pixel art, quero que vocês tenham em mente a expressão “quando bem feita”, que nem toda pixel art é boa, mas não quero ter que ficar ressaltando isso o tempo inteiro.

Voltando ao adendo: eu estudei arte e comunicação na faculdade (cinema, para ser mais específico), fiz cursos de desenho e quadrinhos e trabalhei com design e designers por muito tempo, mas ainda assim não me considero um expert para realmente avaliar a qualidade de obras ilustradas. Também não sou um grande entendido de história da arte. Por isso, tudo que segue sobre pixel art é apenas a minha opinião, sintam-se à vontade para discordar.

Pixel art, para mim, é impressionismo digital. Ou pelo menos o que eu entendo por impressionismo: uma arte ilustrada que foca no movimento e na impressão que temos daquilo que está sendo pintado do que necessariamente sua captação absoluta, fiel e estática. Traduzindo: obras impressionistas querem passar uma idéia, uma sensação, e não um retrato rigoroso e idêntico ao mundo real.

Eu acho que pixel art também caminha nessa direção, onde os artistas buscam uma redução e uma simplificação das formas para que o espectador possa entender a idéia com o mínimo necessário de detalhes e cores.

Vamos para o exemplo mais fácil: o Mario. Olha o bigode do Mario 8 bits.

Sim, meu bonequinho joinha é bem tosco, mas dá pra pegar a idéia.

Solto, é só uma forma geométrica genérica. Em outro contexto, parece um joinha. Mas, no contexto certo, parece um bigode. Sim, o bigode do Mario existe porque animar uma boca ia ser bem mais difícil, mas ainda assim, temos que admirar a capacidade do Shigeru Miyamoto em reduzir um bigode a alguns poucos pixels que ainda assim passam a idéia de bigode, a impressão de um bigode.

Para mim, isso é muito legal. Algo digno de admiração. Essa estilização, essa simplificação de elementos mas que ainda assim passam uma idéia, uma forma ou mesmo um sentimento, para mim isso é arte. Arte de verdade.

Assim voltamos para minha análise de Picross, onde respondo a pergunta:

Como Picross ajuda a entender melhor pixel art? Para jogar Picross, é preciso ter paciência e saber lidar com números e lógica. A parte puzzle dele é inteiramente focada nisso, se você tenta jogar buscando uma imagem, tentando encontrar o que vai ser desenhado, o jogo fica mais difícil. Nesse sentido, parece que a última coisa que o jogo ensina é como apreciar arte.

Mas é o processo de ir resolvendo cada problema lógico apresentado por cada fileira, cada coluna, onde vamos preenchendo cada quadradinho, como se estivéssemos fazendo pequenas pinceladas, ou empilhando tijolos sem saber qual o propósito deles ou mesmo qual vai ser o resultado final, e que, ao terminarmos o puzzle, quando conseguimos ver uma forma simplificada, uma idéia, pode até ser que você só consiga percebê-la quando ela fica colorida ou quando a vê reduzida ou animada, mas nesse momento, quando cada quadradinho preenchido se torna parte de um todo, é nessa hora que você entende melhor a beleza artística da pixel art.

Mais alguns exemplos de pixel art em Picross: o estegossauro, numa grade de 15x15 pixels,… 

…a bola e o cesto de basquete, numa grade de 10x10,…

…e o caracol, numa grade 5x5 (fica mais fácil de ver reduzido, coloquei aí no canto).

Pelo menos foi pra mim.

Perceber que cada quadradinho tinha um motivo para estar lá e assim passar uma idéia me fez perceber a sutileza e a genialidade da pixel art.

Conclusão


Pixel art nasceu da necessidade de criar imagens e animações dentro das limitações tecnológicas da época. Picross é um jogo de números e lógica. Estes são os fatos.

Mas pixel art não é apenas um estágio evolutivo da tecnologia. Ela é uma arte sim, uma arte fantástica que trabalha nossas percepções e impressões para criar obras ilustradas belíssimas. E Picross é um jogo que ajuda a entender melhor essa forma de arte tão pouco apreciada por aí.

Portanto, se você nunca parou para pensar em pixel art, ou como sprites de games eram criados, ou mesmo como formas visuais podem ser simplificadas para alguns poucos pixels, eu recomendo jogar Picross ou qualquer uma das suas outras versões. Você vai sair apreciando mais essa forma de arte.

E, se posso dar mais algumas recomendações, vou deixar nos links deste post quatro coisas sobre pixel art: o primeiro é um post de blog de um desenvolvedor sobre seu estúdio ter desistido de pixel art porque a maior parte do público não sabe apreciá-la, o segundo é a resposta de outro desenvolvedor afirmando que eles têm como obrigação manter essa arte viva e educar o público a entendê-la, o terceiro é o Kickstarter de um jogo que possui como objetivo ensinar a criar pixel art que parece muito interessante (eu sou um backer) e o quarto é o Pixel Joint, uma comunidade online de artistas de pixel.

Para finalizar, só queria falar mais uma vez: pixel art é legal. Picross também.

Links




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