28 de agosto de 2015

Sobre a diferença entre DLC e microtransactions

DLCs e microtransactions. Dois assuntos que permeiam o universo dos games desde que foram introduzidos, principalmente quanto aos seus custos e sua honestidade. Já foram discutido exaustivamente por trocentos outros sites, blogs, vídeos e sei lá o que mais. Até eu já falei sobre. Duas vezes. Mas, como eles voltaram à tona por causa de Metal Gear Solid V: The Phantom Pain (MGSV:TPP), resolvi voltar ao assunto.

E sim, eu vou usar os termos em inglês, DLC para DownLoadable Content e microtransaction ao invés de microtransação. Mais por achar que os termos são mais conhecidos em inglês que por algum descontentamento com nossa língua pátria. Paciência.

Seguinte: de acordo com um dos avaliadores de MGSV:TPP, o modo multiplayer chamado Forward Operating Base, onde o jogador constrói uma base e pode invadir bases de outros jogadores, está travado e só poderá ser habilitado sendo comprado. Com dinheiro. De verdade.
Foto: como não comprar DLC. Tanto porque se você fizer isso você vai estragar o seu console
quanto porque as moedas de Mario não são dinheiro de verdade.

Mais tarde, a Konami veio a público para afirmar que o modo em questão não vai ser bloqueado, mas que ainda assim existirão microtransactions para acelerá-lo. Imagino que isso signifique que você pode comprar facilitadores, como armas ou unidades para a sua base.

Todavia, era tarde demais: muita gente ficou irritadíssima com a perspectiva de comprar um jogo de sessenta dólares e ainda (possivelmente) ter que gastar mais em microtransactions para “acelerar” um modo dele.

Só que no meio disso tudo me surgiu uma questão: porque as pessoas ficam tão irritadas com microtransactions mas aceitam (ou melhor, aceitam mais, comparativamente falando) DLCs? Enquanto pensava nisso, uma outra questão ainda mais fundamental surgiu: qual é a diferença entre microtransactions e DLCs?



Sim, eu sou uma vergonha como gamer e como blogger de games. Afinal, todo mundo sabe a diferença. Até mesmo os monges tibetanos.

Porém, antes de eu começar a narrar a minha jornada conceitual, acho bom começar respondendo a seguinte pergunta:

Importa mesmo diferenciar as duas coisas?


Bem, para começo de conversa, importa para mim. Gosto de entender melhor o significado das palavras para assim entender melhor o que se passa na cabeça dos outros na hora que vejo uma discussão grande sobre tais conceitos. Logo, quero saber o que é o que que é o que.

Seguindo essa linha, acho que é importante para quem quer entender melhor o que acontece no mundo dos games. Como vamos analisar e refletir sobre nosso hobby se sequer sabemos do que estamos falando? Aliás, acho que essa é outra grande importância na discussão toda, que é melhorar a comunicação. Se alguém começa a falar de DLCs como se fossem microtransactions e seu interlocutor responde tratando DLCs como, bem, não-microtransactions, fica difícil elaborar um diálogo produtivo.

Por fim, acho importante definirmos melhor esses dois conceitos para entendermos melhor a nós mesmos, enquanto grupo social com gosto similar, e porque odiamos tanto essas duas idéias. Pode até ser que, compreendendo melhor elas, passemos a odiá-las menos, ou assim consigamos encontrar algum outro alvo mais digno de nosso ódio.

Se esses motivos não são importantes o bastante para você, e essa minha divagação sobre o assunto parece ser uma grande perda de tempo, pare de ler este post e, por favor, compartilhe este texto com todos os seus conhecidos para que todos venham ver como eu perco tempo neste blog de visitação baixa.

Para quem preferir continuar aqui, vamos partir para uma mágica odisséia semântica em busca do conhecimento! Aproveite e compartilhe este texto com todos os seus conhecidos para eles também virem participar! Por favor!

Era uma vez uma Wikipedia…


Comecei no ponto de partida de toda e qualquer pesquisa que faço nas internets: Wikipedia.

De acordo com ela, DLCs são conteúdos adicionais para games que são distribuídos através da internet. As origens do DLC estão conectadas ao compartilhamento online de mods e mapas criados pelos próprios jogadores para jogos de PC, ou seja, os primeiros DLCs nasceram do trabalho de fãs para outros fãs, criando conteúdo para estender a vida útil dos seus games favoritos (já falei um pouco sobre mods antes, caso interesse). Mas, hoje em dia, separamos o conteúdo criado e compartilhado pelos usuários (user-generated content, UGC) do conteúdo criado pelas próprias desenvolvedoras, que pode tanto ser grátis como pode ser cobrado, e estes que são chamados de DLC e são deles que estou falando.

Na teoria, DLCs continuam tendo o mesmo espírito original: estender a vida útil do jogo. E algumas empresas realmente usam DLCs assim, como a Nintendo com Splatoon (não é um post meu sem eu citar Splatoon, eu realmente gosto de Splatoon, Splatoon é o máximo), a CD Projekt RED com Witcher 3 e a Yacht Club Games com Shovel Knight (outro jogo muito bom, quem não jogou ainda, vá jogar). Mas, infelizmente, temos diversas outras empresas abusando do sistema, seja com preços exagerados, seja com a prática de DLC no disco (também já falei um pouco disso). Por causa desses abusos, DLC virou uma palavra maldita para muitos gamers, mas eles se tornaram parte da indústria e da cultura dos games, e provavelmente vão continuar sendo até o final dos tempos. Sério, aceitem.

Isto é uma minigun que dispara tinta. E foi de graça. Splatoon é o máximo.

Exemplos de DLC, tirados tanto da Wikipedia como de jogos que tenho: campanhas, fases, side-quests, pistas (em jogos de corrida), personagens, armas, equipamentos e skins (variações puramente estéticas de elementos do jogo, como uma roupa diferente para um personagem, por exemplo).

Agora, vamos para microtransactions. De acordo com a Wikipedia, não é exatamente um conteúdo, mas um modelo de negócio e monetização em games, onde os jogadores podem comprar produtos virtuais através de micropagamentos (pagamentos em quantias baixas). São mais comuns em jogos grátis (free-to-play, ou F2P), mas podem existir em jogos pagos, como o supracitado MGSV:TPP.

Microtransactions possuem uma fama ainda pior que DLC, principalmente porque muitas desenvolvedoras elaboraram planos de monetização que apelam para fraquezas psicológicas dos jogadores, abusando de um comportamento de vício para aumentar o lucro. Mas, assim como DLCs, já se tornaram parte da indústria e provavelmente vamos ter que conviver com eles eternamente. Apesar de que eu já ouvi um desenvolvedor em algum podcast(não lembro qual, faz tempo) falar que, se algum governo em algum momento decidir que sistema de microtransaction faz com que esses games se qualifiquem como jogo de azar, principalmente por levar ao vício, ia ser um desastre astronômico para a indústria F2P, pois esses jogos poderiam ser proibidos em diversos países, incluindo o Brasil.

Exemplos de produtos compráveis através de microtransactions tirados da Wikipedia e de experiências pessoais: dinheiro virtual, cheats, facilitadores, energia para jogar mais, tempo da sua vida (tipo “isto vai demorar 24 horas para ficar pronto, mas você pode pagar para ficar pronto agora”), personagens, armas, equipamentos e skins (variações puramente estéticas de elementos do jogo, como uma roupa diferente para um personagem, por exemplo).

Ok. Temos um problema. Não sei se deu pra perceber.

Certos exemplos de DLC e de produtos compráveis através de microtransactions são os mesmos. Então, qual é exatamente a diferença?

Não, sério, qual é a diferença?


Muito bem, a diferença está meio óbvia: um é um tipo de produto virtual (DLCs) e o outro é um sistema de monetização (microtransactions). É como se eu estivesse comparando pão com cartões de crédito: um é um produto que eu compro na padaria e o outro é o método que uso para fazer a compra. Não sei se esse exemplo funcionou. Acho que ele funciona melhor se eu parcelar o pão, e fizer a comparação entre o pão e pagamento parcelado a prazo.

Acho que essa comparação vai fazer mais sentido quando lançar DLC para este jogo.

Ao considerarmos essa definição, tudo o que compramos com microtransactions são DLCs. Essa lógica até faz sentido, afinal de contas estamos fazendo uma transação de um valor “micro” (eu vou voltar para essas aspas depois) de dinheiro para obter um produto virtual que será baixado através da internet para o meu jogo.

Só que eu ainda não estou muito satisfeito com essa definição, principalmente porque quando vejo outras pessoas usarem os dois termos, eles me parecem algo mais. Digamos assim: eles trazem consigo uma bagagem que extrapola essa definição, que faz microtransactions parecerem mais que só um sistema de monetização e DLC parecer mais que só conteúdo extra que baixamos pela internet.

Por isso, comecei a buscar explicações alternativas para entender melhor a diferença entre eles. Ou, pelo menos, porque eles se parecem tanto mas são diferentes.

Caçando pelo Google, uma definição que vi sendo usada é que DLC envolve um elemento permanente, enquanto que microtransaction envolve um elemento temporário. Comprar um personagem que ficaria habilitado eternamente para você poder usá-lo no jogo seria um DLC e comprar energia para você poder jogar de novo uma fase seria uma microtransaction. É uma explicação muito boa, mas, ao mesmo tempo, vejo inúmeros elementos permanentes sendo tratados como microtransactions, principalmente personagens e skins alternativas em jogos mobile. Se bem que, se o que quebra essa definição são personagens e skins, podemos simplesmente parar de tratá-los como microtransactions e chamá-los de DLC. Para mim, faz sentido, resolve bem o problema.

Mais ou menos.

Que aí temos outras compras permanentes que podemos fazer e que são tratadas como microtransactions. Por exemplo: pagar para deixar um jogo ad-free. Ou pagar para sumir com o sistema de energia e deixar o jogo livre para ser jogado a hora que quiser. São elementos permanentes e não são considerados DLCs, mas microtransactions. Eu, pessoalmente, não considero isso DLC. É mais próximo de um resgate de uma refém, a nossa paciência, que de um DLC. Até porque não baixamos nada, só destravamos algumas coisas.

Levando isso em conta, podemos então chamar DLCs de “bens virtuais com análogos no mundo real”, enquanto que microtransactions seriam “atalhos e facilitadores dentro do jogo.” Roupa de férias do Sagat em Ultra Street Fighter IV? DLC. Algumas rodadas a mais na fase 33 de Candy Crush? Microtransaction. É boa? Faz mais sentido essa definição?

Não muito, que eu acabei tirando fases e campanhas de DLC e transformando-as em… nada. Ok. E também tem a questão dos “Fatalities fáceis” de Mortal Kombat X (lê-se mortal combatécs). É um DLC ou uma microtransaction? É vendido como DLC, mas tem esse baita cheiro de microtransaction. E dinheiro dentro do jogo? Diversos jogos disponibilizam a opção de comprar dinheiro diegético, isso é um tipo de DLC ou de microtransaction? Que não deixa de ter um análogo no mundo real (pensem em casas de câmbio) e não deixa de ser um super-facilitador dentro do jogo.

Considerando agora esses novos fatores, talvez possamos deixar a definição mais assim: DLCs são “bens e elementos virtuais que visam expandir a experiência do jogo” enquanto que microtransactions seriam “elementos e opções que buscam facilitar ou agilizar a experiência do jogo”. Sim, estou basicamente resumindo microtransactions como “pague pelo modo fácil”. Nessa, os Fatalities fáceis e dinheiro diegético se tornam microtransactions e fases e campanhas voltam a ser DLCs. E comprar a versão ad-free ou sem energia de um jogo, pelo menos para mim, se qualificam mais como facilitadores do que como estendedores do jogo, classificando-os como microtransactions.

Tendo chegado até aqui, existe outra coisa que me incomoda, que é a questão dos preços.

Microtransactions, teoricamente, envolvem micropagamentos. Valores baixos. Mas, obviamente, não é mais o caso. E existem DLCs dos mais variados preços, inclusive de graça. Será que deveríamos envolver os preços na hora de definir se uma coisa é um DLC ou uma microtransaction? Acho que não, mas a morfologia de microtransaction acaba envolvendo, em certo grau, os preços em sua definição.



Eu não sei mais aonde eu estou querendo chegar com essa divagação toda. Acho melhor concluir o texto.

Conclusão


Quanto mais eu penso, mais eu chego à seguinte conclusão: no fundo, nem os desenvolvedores, nem os jornalistas de games, nem os analistas, nem os gamers e nem mesmo os monges tibetanos sabem exatamente a diferença entre microtransactions e DLCs. Basicamente, essas duas palavras são usadas a torto e direito sem definições fixas, às vezes como sinônimos, às vezes como dois conceitos separados. No fim, a Wikipedia provavelmente tem a melhor explicação: DLCs são conteúdo e microtransactions são um sistema de monetização.

Só que tem uma outra coisa que eu percebi enquanto refletia sobre tudo isso: DLCs estão mais ligados a games core/de console e microtransactions mais ligadas a games casuais/mobile, e eu acho que é daí que vem o ódio extra que microtransactions possuem em relação aos DLCs. Imagina, o próprio termo “sistema de monetização” é algo considerado parte de jogos casuais.

Por isso que muita gente está com raiva de MGSV:TPP ter microtransactions. Não é somente o fato de que a Konami está querendo manipular os jogadores a gastar mais, mas que ela ousou conspurcar uma das séries mais tradicionais e core de games com um elemento de jogos casuais. A pergunta que fica é se essas mesmas pessoas iriam estar tão irritadas se tivessem chamado isso de DLC ao invés de microtransaction.

Só que aqui chegamos num detalhe muito importante: não é porque uma coisa nasceu com jogos casuais que ela é inerentemente pior ou ruim. Ela só é.

Essa talvez seja a principal questão em relação a esses dois conceitos: eles simplesmente são. DLCs e microtransactions não são intrinsecamente bons nem ruins, eles só são. Imagina, se pegarmos os propósitos originais deles, expandir a vida útil de um jogo e melhorar a renda de um desenvolvedor sem aumentar o preço inicial do jogo, eu acho que são coisas boas (desenvolvedores merecem dinheiro, não discutam isso agora, outro dia volto no assunto).

O problema são aqueles que abusam do sistema. Preços injustos e manipulação de fraquezas psicológicas dos jogadores são coisas inerentemente ruins e merecedoras da nossa raiva gamerzística.

Acho que é isso, no fim: se você está com raiva só porque um jogo tem DLC ou microtransactions, respire fundo e analise a situação. Se o DLC e as microtransactions possuem um preço justo. Se a dificuldade do jogo é usada para nos forçar a gastar mais. Se o conteúdo comprado não quebra o balanceamento de um jogo multiplayer (o infame pay-to-win). Se o jogo não está tentando usar nossas fraquezas para pegar nosso dinheiro. Se não há um conteúdo que nós já pagamos bloqueado atrás de uma nova barreira financeira. Se o jogo não está sendo entregue incompleto só para cobrar mais depois.

Eu sei que é difícil saber essas coisas, mas tente entender melhor a situação antes de sair reclamando. Pode ser que tenha algum lado da questão que você não viu.

Mas, se depois de muito refletir e conversar com outros sobre um DLC ou uma microtransaction você ficar com a nítida certeza de que as empresas envolvidas no jogo estão te desrespeitando e te tratando como um idiota, aí sim você pode ir xingar muito no Twitter e despejar sua raiva flamejante nas internets, que escrotice não é nem deve ser algo aceitável.

Estou olhando para você, Konami. #FucKonami

Links


• Here's How Payments in Metal Gear Solid 5's Online PVP Mode Will Work (Gamespot)

MGS 5: The Phantom Pain's multiplayer is not behind a paywall (PC Gamer)

Fee 2 Pay (The Jimquisition)

• 5 Reasons I Lost $9,000 On An iPhone Game (Cracked)

• The Witcher 3 gets free downloadable content program as dev attacks predatory DLC (Polygon)

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