8 de junho de 2015

Sobre mainar o random

Sempre fui um grande fã de jogos de luta.

Tudo começou com Street Fighter II, que conheci num fliperama duma cidade no interior de São Paulo (não lembro qual) quando eu tinha uns 10 anos de idade e estava passando umas férias lá com a minha família. Era a máquina mais disputada do lugar, com filas enormes, e sempre com versus, nunca tinha alguém sozinho tentando derrotar o computador. Eu ficava mais assistindo que jogando, principalmente depois de ter tentado umas duas vezes e sido massacrado, já que eu não conseguia soltar nenhum golpe.

Ainda assim era tão legal. Radúquens, xoriúquens e papai-quer-hambúrgueres do Ryu e do Ken, facões e sonequifúls (era o que eu ouvia ele falando) do Guile e os chutinhos iá-iá-iá da Chun-Li, como eu chamava os golpes na época (menos o papai-quer-hambúrguer, eu chamava de giratória, mas depois que um conhecido meu disse que ouvia eles falando papai-quer-hambúrguer, pra mim este golpe se chama assim agora) eram fascinantes para mim, tanto pelas animações como pelos rápidos movimentos das mãos dos jogadores executando-os. Depois de alguns anos, quando finalmente soltei um Shoryuken querendo (que eu soltava vários sem querer), eu me senti a pessoa mais capaz do universo, pelo menos por um breve momento. E, sendo bem sincero, até hoje eu solto muito golpe sem querer, não sou um grande jogador de jogos de luta.

Pa-pai-querambúúúúúúr-guer!

Mas eu ainda gosto muito deles. Mesmo sendo ruim. É que a minha principal diversão com jogos de luta está em ver os golpes, especiais e finais de todos os lutadores, e não competir e enfrentar outros humanos. Acho que sou o que podemos chamar de jogador casual de jogos de luta.

Só que era impossível jogar qualquer jogo de luta num fliperama sem eventualmente aparecer alguém para tirar um versus. E, como não me canso de lembrar a todos, eu sempre fui um tosco, então perdia muito, além de que eu não era (até hoje não sou) muito competitivo. Talvez as duas coisas estejam relacionadas. Acho até que frustrei muita gente, que eu me lembro bem de alguém vir, me derrotar e ficar olhando para mim esperando eu pôr outra ficha para tirar uma revanche, mas eu simplesmente pegava minha mochila (se eu estava num fliperama, provavelmente era depois da escola) e ia para outra máquina, deixando o infeliz lutando contra o computador, que era exatamente o que ele não queria, já que derrotar a inteligência artificial do jogo não melhora seu posicionamento no campeonato imaginário de jogos de luta que existiam na cabeça dos freqüentadores de fliperamas.

Uma coisa, porém, começou a me frustrar muito com esse povo que aparecia para tirar versus: eles só escolhiam os mesmos personagens.

Ryu vs Ryu vs Ryu vs Ken vs Ryu vs Ryu vs Ditto


Em Street Fighter era sempre Ryu, Ken e Akuma. Nos que tinham personagens Marvel, acrescentem o Wolverine e o Spider-man na lista anterior. King of Fighters (KoF), a minha série favorita de jogo de luta de fliperama (em consoles é Smash Bros, obviamente, Nintendo fanboy que sou), era basicamente Iori, Clark e mais um, normalmente o K’ ou o Kyo. Samurai Showdown parecia a HanzoCon.

(OBS.: Estou pondo links para os personagens de KoF e Samurai Showdown por esses jogos não serem tão populares quanto Street Fighter ou Smash Bros, para quem não conhece ter uma idéia de como eles são.)


Era muito chato. Cada jogo tinha trocentos personagens diferentes para escolher, mas ao assistir alguns versus, parecia que só tinham cinco, se muito.

Isso me irritava muito. Ainda irrita, quando paro pra pensar. Pra mim, é uma falta de respeito com o jogo e com os desenvolvedores, que se deram ao trabalho de criar todos esses lutadores com golpes, visuais, personalidades, forças e fraquezas únicas para serem ignorados na cara dura. Sem contar que parece um tipo de preguiça intelectual, onde ninguém quer se dar ao trabalho de aprender a lutar com quem tiver uma estratégia mais complexa que Hadouken-Hadouken-Shoryuken.

Sim, eu entendo porque que os jogadores hardcore de jogos de luta gravitam mais para certos personagens. Esses jogos nunca são perfeitamente balanceados, sempre tem alguém que é mais forte que os outros, normalmente o personagem principal da série, como o Ryu, por exemplo, e quem gosta de tirar versus quer vencer, e não se divertir brincando com todos os personagens. Ou melhor, a diversão deles vêm de competir e ganhar, e a única competição que vale a pena é aquela em que todos dão tudo de si, todos visando a vitória. E para se aperfeiçoar cada vez mais nessa busca pela glória, nada melhor que focar seus esforços em um personagem, se tornando um especialista.

Mas eu ainda acho que tem uma dose de preguiça intelectual.

Sério, é tão difícil assim tentar pegar um personagem diferente? Tentar pensar uma estratégia nova? Usar outras partes do cérebro enquanto joga?

Acho até que essa mesmice na escolha de personagens colaborou para eu não gostar de tirar versus, porque contra o computador eu pelo menos enfrentava personagens diferentes com estratégias diferentes.

Sim, o povo que queria tirar versus nos fliperamas que eu freqüentava eram mais previsíveis que a inteligência artificial dos jogos. E eu ainda assim perdia. Já falei, eu sou um tosco.

Antes de continuar, pequenos adendos


Só quero ressaltar que estou falando das minhas experiências jogando em fliperamas aqui em São Paulo durante a virada do século XX para o XXI (eu lembro a época exata por causa dos KoFs, eles eram anuais antes). Pode ser que a sua experiência tenha sido diferente, e no fliperama que você freqüentava era a ZangieFest ou a Parada Joe Higashi.

Neste ano eu vou!
E, caso interesse, fiz o texto usando este site.

E é claro que tinham aqueles que pegavam personagens diferentes e varriam o chão com os Ryus e os Ioris. Me lembro até hoje dum cara que parecia que tinha acabado de sair do trabalho, tava de terno e tudo mais, que pegou a Chun-Li e humilhou todo mundo que aparecia para tirar contra.

Também não estou falando do pessoal pro de verdade, que elabora diferentes estratégias com diferentes personagens quando vai para um campeonato, mudando a escolha do lutador de acordo com o que conclui da estratégia do adversário.

Eu tô falando desse tipo específico de jogador de jogos de luta, que aprende um ou dois combos com um personagem favorecido pela falta de balanceamento do jogo e fica tirando versus com todo mundo se achando “o bão”, quando a única coisa que ele está fazendo, na minha opinião, é deixar o jogo um porre.

Tinha desses “avassaladores sô foda” aos montes nos fliperamas que eu ia e, pelo que eu ouço falar, eles ainda existem online e em campeonatos menores de jogos de luta. Falo de campeonatos menores porque, pelo que ouvi, em campeonatos grandes esses caras são os primeiros a cair fora. E na questão online acho que o volume de partidas acaba corrigindo esse problema, pois quando muita gente só joga com o mesmo personagem, a tendência é que os demais aprendam a contra-atacá-lo (tá certa esta palavra com três hífens?), diminuindo sua popularidade com o tempo.

O último adendo que tenho para fazer, por enquanto, é que o meu problema não é com o conceito de “main”.

Mainando meu main maineiro


Pode parecer que este meu descarrego pra cima do povo que só escolhe Ryu e Ken e Akuma é um discurso com o sentido de “lutador é que nem filho, ninguém pode ter um favorito, e toda tela de escolha de personagem devia ser uma escolha de Sofia”, mas não é. Ok, talvez um pouco, com um pouco menos de drama, mas não é o foco principal.

Até porque, dependendo do jogo, ia demorar umas duas horas para escolher.

Porque é óbvio que todo mundo tem um personagem com quem joga melhor.

E não há o menor problema com isso. Imagina, é tipo reclamar das pessoas terem um sabor favorito de pizza, por mais que eu sempre olhe meio torto pra quem fala que a pizza favorita é muçarela. Sério, nem pra ser quatro queijos?

Enfim, esse é o conceito de “main”: o personagem que você mais gosta e com quem você joga melhor. Só fui ser apresentado à expressão recentemente, com o lançamento de Super Smash Bros 4, parece que é jargão técnico. Até é usado como verbo, “mainando o Marth”, por exemplo. É que eu chamava de “lutador favorito” antes, mas a língua portuguesa que se dane, aparentemente.

Eu também tenho meus lutadores favoritos com quem eu jogo melhor (ou pelo menos um pouco melhor). Em KoF, são o Kim, o Ralf e o Choi. Em Smash 4 são o Link, o Ganondorf, o Yoshi e a Waifu. E, em Street Fighter, a hipocrisia final, é o Ryu (e, dependendo do jogo, o Dhalsim e a Sakura também). Mas nenhum deles é o meu verdadeiro main - já volto ao assunto para falar quem é, antes tenho que chegar ao ponto.

Minha waifu é a Tharja, de Fire Emblem (esq.), que não está em Smash 4, mas tem a Lucina fazendo
cosplay (dir.), o que é bom o bastante. Ela só é minha main com essa roupa.

O ponto é: tudo bem você ter o seu main, mas dê uma chance para todos os personagens antes.

Que eu tenho essa certeza sem nenhuma prova concreta (popularmente conhecida como “intuição”, ou “bobagem ilusória”) que esses caras que deixam o jogo um porre aprenderam a jogar com o Ryu ou o Ken em Street Fighter II e continuaram jogando do mesmo jeito pelo resto da vida.

Isso é uma merda. Tanto para quem você enfrenta no versus quanto para você mesmo, pois você pode estar perdendo a chance de descobrir um outro lutador com quem você se identifica e com quem você desenvolve uma estratégia única, ampliando o leque dos tipos de disputas que você pode ter, deixando o jogo ainda mais divertido.

Por isso que o meu verdadeiro main é o random.

Hora da historinha


Nos idos do ano 2000, eu e um amigo meu, o Koizumi, costumávamos ir muito ao cinema e jogar fliperama às sextas-feiras (só pra constar, na época cinema era algo um pouco mais acessível para estudantes colegiais, não eram esse passeio de luxo que você tem que parcelar no cartão de hoje em dia). Normalmente íamos até o Shopping Metrô Tatuapé, já que lá tinha um cinema, tinha um fliperama e era um lugar fácil de ir de metrô. O principal jogo que tinha lá era King of Fighters ’99, tanto que ele ficava naquelas máquinas maiores, que até tinham banquinho.

E nós éramos horríveis.

Sério, a gente levava uns paus fenomenais tanto da máquina quanto dos outros jogadores. Demorou muito tempo pra gente conseguir sequer chegar na primeira forma do chefão final, o Krizalid, e mesmo assim perdemos nela - o que é uma certa vergonha, que ela é ridiculamente mais fácil que a forma final.

Aliás, acho importante ressaltar que gostávamos muito de KoF por causa da dinâmica de times, assim podíamos escolher dois personagens cada e alternávamos a cada partida quem começava jogando, gerando uma economia de ficha.

E a gente odiava tirar versus. Ou melhor, versus, só entre a gente, já que estávamos no mesmo nível de tosquice e o fato de sermos amigos aliviava a dor da derrota. Mas a gente sempre preferia ir contra o computador, mesmo que tivéssemos que esperar liberar a máquina. Acho até que tinham vezes que nem conseguíamos jogar KoF ’99, quando o shopping estava muito cheio.

Naquela época eu já percebia que certos lutadores eram mais priorizados que outros. Como o Kyo original e o Iori eram secretos (para quem não conhece a história de KoF, esse jogo girava em torno da organização NESTS estar criando clones do Kyo, então tinham dois Kyos diferentes para escolher de cara, mas o original era secreto), a honra normalmente ia para o Clark e o K’. Mesmo a gente ia com os nossos favoritos a maior parte do tempo, principalmente depois que o Koizumi descobriu como habilitar o Kyo original e o Iori, que a minha memória pinta como personagens mais fortes justamente por serem secretos. E, na época, nossos favoritos eram mesmo os “Ryus wannabe”, ou seja, qualquer um com quem pudéssemos fazer a estratégia básica de Hadouken-Hadouken-Shoryuken.

Até um dia que nós vimos um cara ir até a máquina, sentar e escolher o random como personagem. Para todos os personagens do time dele.

Para quem não conhece, em KoF existe um botão de random, onde o personagem é sorteado a cada partida. Você pode ter um, dois, três ou todos os integrantes do time como random. É assim tanto para o single player quanto para versus, e não tem como desfazer essa escolha depois.

Enfim, o cara foi lá com o time inteiro randômico. Foi a primeira vez que vi alguns personagens sendo usados por humanos, como o Maxima e a Li Xiangfei.

E o cara acabou o jogo.

Era a primeira vez que eu via o final de KoF ’99 e foi justamente com o cara que pegou um time inteiro randômico. Não apenas isso, como várias lutas ele acabou com o primeiro lutador. E os personagens secretos não apareciam no random, só pra constar.

Eu me lembro claramente de ter pensado “Esse cara é bom de verdade, quero ser que nem ele quando eu crescer.”

A partir de então começamos a pegar times randômicos. Não sempre, pois ainda tinham vezes que queríamos jogar com personagens específicos, mas acho que a maioria das vezes íamos com o random.

E foi uma das melhores decisões que tomamos, de verdade. Jogando no random que me forcei a aprender a jogar com grapplers (como eu chamava personagens focados em agarrões, como o Clark e o Maxima), chargers (como eu chamava personagens que os golpes são do tipo “carrega numa direção, vai pra outra e botão”, como o Choi e a Leona) e mesmo os counterers (como eu chamava personagens focados em contra-ataques, como a Kasumi - apesar de nunca ter ficado realmente competente com esse tipo de lutador). Inclusive, foi assim que eu descobri dois dos meus personagens favoritos, o Choi e o Kim, e se não me engano, foi assim que o Koizumi descobriu o Kensou, que é um dos personagens favoritos dele.

Resumindo: com o random, pude descobrir novas maneiras e novas estratégias de jogar, aumentando meu aproveitamento do jogo e fazendo com que eu gostasse ainda mais dele. Até hoje, quando há a opção, gosto de escolher o random - é uma das maneiras que jogo Smash Bros, aliás.

Sem contar que nas poucas vezes que ganhávamos um versus com um time randômico nós recebíamos mais pontos no campeonato imaginário de jogos de luta que existiam na cabeça dos freqüentadores de fliperamas.

Conclusão


Jogos de luta, no final das contas, são jogos competitivos onde os jogadores vão sempre estar aprimorando suas técnicas e habilidades, e o melhor meio de fazer isso é escolhendo um ou poucos mains. E se o balanceamento do jogo acaba favorecendo um personagem sobre outro, ele vai acabar se tornando popular. Nada de errado em querer vencer.

Mas antes de se fixar em um main, dê uma chance para todos os personagens. Eles não estão ali só para fazer número, ou só para serem estágios a serem vencidos no single player. Eles foram criados, pensados e desenvolvidos com o mesmo esforço e dedicação que o seu main que é seu main desde cinco versões anteriores da série. Sério, dê uma chance para eles. Uma sugestão minha para você se forçar a aprender a jogar com outros personagens é escolhendo o random, quando possível.

Você pode descobrir um novo main.

(E se algum dia alguém for campeão da EVO com o random, pode apostar que esse ser vai se tornar uma lenda, com estátuas erguidas e canções compostas e sei lá o que mais fazemos com lendas hoje em dia. Se você sonha em se tornar uma lenda que nem o Daigo, taí uma idéia.)


Links


Street Fighter Official Website (Capcom)

The King of Fighters Official Website (SNK Playmore)

• Super Smash Bros Is Unbalanced, And That's A Good Thing (Kotaku)

Why Hardcore Smash Bros. Players Can't Stand Diddy Kong Right Now (Kotaku)

Street Fighter Player Wins Great Match at EVO With Unpopular Character (Kotaku)

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