22 de junho de 2015

Sobre odiar um jogo que nem lançou ainda

Eu falei que ia evitar falar deste jogo para não ficar enchendo o blog de reclamação e mimimi, mas eu realmente precisava comentar um pouco a situação toda. Pelo menos esperei eu me acalmar, então não vai ter gritaria.

Estou falando, para quem não leu meu post sobre o Digital Event da Nintendo na E3 2015, sobre Metroid Prime: Federation Force, de agora em diante nomeado “O-Jogo-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado”, para eu não ter uma recaída e começar a griTAAAAAAR PUTA QUE PARIU NINTENDO ESSE JOGO QUE… !

[Respira fundo]

Passou.

Voltando.

Arte oficial do Voldejogo

Os fãs da Nintendo estão inacreditavelmente putos com O-Jogo-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. O trailer do jogo tem dez vezes mais dislikes que likes no YouTube. Toda e qualquer seção de comentários em matérias falando desse jogo é cheia de discursos de ódio e revolta. As respostas aos tuítes da Nintendo sobre esse jogo são outra parada de fúria nérdica incandescente. E, obviamente, já fizeram um abaixo-assinado para o jogo ser cancelado.

E eu, este exemplo de ser humano maduro e esclarecido que sou, estava participando de tudo isso.


Eu admito! Eu participei dessa turba enlouquecida de ódio irracional (existe algum outro tipo de ódio?). Comentei sobre a blasfêmia que é esse jogo em uns três sites diferentes, mandei tuítes e mensagens no facebook para a Nintendo do Japão, dos EUA e para o estúdio que está produzindo o jogo, a Next Level Games. Só não mandei para o produtor do jogo porque não achei o tuíter dele. Também não assinei o abaixo-assinado por uma questão de princípio, que eu não acredito em abaixo-assinados (longa história, não perguntem).

A questão é: o furacão de ódio que surgiu na internet em torno desse jogo me engoliu com tudo, me jogando numa espiral de raiva e descontentamento, que foi evoluindo até se tornar ódio puro e destilado.

E, por tudo que é Chozo, como eu odiei esse jogo.

Eu odiava muito, muito, muito, mas muito mesmo essa porcaria, com uma raiva profunda que me consumia por dentro. Durante os dois dias seguintes ao seu anúncio, fiquei chafurdando nos recônditos da internet procurando e encontrando outros que também odiavam essa abominação, e ficamos alimentando nosso ódio e nosso asco contra a mera existência desse jogo. O-Jogo-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado era uma ofensa pessoal, algo que tinha que deixar de existir para eu continuar vivendo, uma coisa Highlander onde só poderia haver um, ou eu ou ele. Cheguei ao ponto de querer ir até o Canadá, onde fica a Next Level Games, e cuspir na cara do produtor do jogo, Kensuke Tanabe, e como estou me recuperando de um resfriado, ia ser um cuspe bem nojento e cheio de catarro. Isso que eu nem sei se ele está produzindo o jogo lá no estúdio no Canadá ou da sede da Nintendo, no Japão. Acho que nunca odiei tanto um jogo na minha vida, e eu aluguei Battletoads quando era criança.

Só que esse ódio era completamente despropositado e imbecil, já que eu nem joguei O-Jogo-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. Imagina, ele sequer tem uma data de lançamento certo. Agora que a raiva passou, quanto mais eu penso no assunto, mais eu fico me sentindo um molequinho idiota, uma criança mimada que não sabe lidar com as adversidades da vida e fica dando peso demais para coisas que realmente não importam e que quer porque quer as coisas do jeito dela.

Mas, no fundo, foi uma experiência boa para eu ver que mesmo eu caio nessas câmaras de eco de ódio que a internet cria. Digamos que saí mais humilde da lama.

E é disso que eu quero falar, de como cheguei nesse nível ridículo de ódio, tanto para compartilhar o desenrolar dessa bola de merda (bolas de merda são que nem bolas de neve, mas de merda, para quem não entendeu a analogia) como para eu poder ver melhor tudo o que aconteceu e conseguir me comportar melhor no futuro.

Comecemos então vendo as circunstâncias em torno do anúncio d’O-Jogo-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado.

Quanto às expectativas criadas por Other M


Comecemos constatando o óbvio: toda vez que gamers se revoltam com algum jogo, é porque ele não é o que esperavam. É tudo relacionado a uma falta de controle das nossas expectativas.

E muitos fãs de Metroid, incluindo eu, estávamos com uma expectativa absurdamente alta quanto ao próximo jogo da série.

Tudo porque Other M, o último Metroid a ser lançado, foi a bosta que foi.

Já fiz um post inteiro sobre meu ódio com Other M, esse sim um ódio que não consigo deixar para trás, então não se preocupem que não vou ficar me repetindo demais. O que interessa no momento é que ele foi o pior de todos os Metroids já lançados, não apenas pelo aspecto da história, mas sua jogabilidade não foi tão bem recebida também. Por causa desse ponto baixo da série, os fãs ficaram muito ansiosos pelo próximo jogo, numa esperança de que a Nintendo tivesse ouvido o nosso desgosto com Other M e fizesse o próximo num nível de qualidade que compensasse a porcaria que eles tiveram a coragem de lançar. Ou pelo menos um jogo que servisse de admissão que Other M foi uma bosta, como um retorno à série Prime ou a remoção do Yoshio Sakamoto de qualquer projeto futuro relacionado a Metroid.

Sonhávamos com outro Metroid para o WiiU em primeira pessoa, HD e sem nenhum input do Yoshio Sakamoto. Ou mesmo com um Metroid 2D decente para o 3DS, relembrando a glória que foi Super Metroid e sem nenhum input do Yoshio Sakamoto. Quem sabe até um Metroid com o retcon que eu criei, e sem nenhum input do Yoshio Sakamoto. Queríamos o melhor Metroid que podíamos imaginar, uma aventura solitária da Samus por ambientes exuberantes e uma atmosfera, bem, metroidesca, e sem nenhum input do Yoshio Sakamoto.

Só que não foi isso que a Nintendo nos deu.


Ela nos deu um spin-off co-op centrado na Federação Galática e que foi mostrado pela primeira vez ao mundo como um minigame de futebol espacial com armas laser. Menos Metroid que isto, só um jogo mobile clone de Flappy Bird.

Queria usar de novo esta imagem que eu gosto da piada.

A pior sensação que existe é ser desprezado. E foi isso que nós sentimos nessa hora.

Para nós, fãs de Metroid que odiaram Other M, pareceu que a Nintendo nos esnobou, que ela estava cagando e andando para tudo o que falamos nos últimos anos sobre como essa série de jogos que amamos, Metroid, podia se recuperar do tombo fenomenal que foi Other M e ia fazer o que bem entendesse.

O que acontece quando uma criança quer atenção e sente que está sendo ignorada?

Foi assim que agimos em seguida, berrando e esperneando em todos os lugares possíveis da internet, tentando desesperadamente chamar a atenção da Nintendo-senpai, para ver se ela reconhecia nossa raiva, já que ela ignorou nosso amor (por Metroid).

Tudo isso pode parecer muito ridículo (e é, olhando em retrospecto), mas essa raiva vinda do desprezo é muito forte, consegue controlar completamente uma pessoa. Eu sei que me controlou.

Como que eu superei essa raiva específica? Respirando fundo e percebendo o óbvio: a Nintendo não me menosprezou especificamente nem quis me ofender pessoalmente. Ela só anunciou um jogo.

Ela foi completamente ponga de não ter sequer parado pra olhar as expectativas e o ambiente em torno da série Metroid? Foi. Claro que foi. Mas isso não significa que ela nos menosprezou. Não foi uma decisão ativa onde Kensuke Tanabe olhou para os fãs de Metroid e disse: “vou fazer o pior jogo possível para irritar a todos eles”. Ela só anunciou um jogo. Só isso. Não foi para nos ofender, não foi para nos ignorar, não foi para nos esnobar. Foi apenas um anúncio de um jogo.

Toda a revolta, todo o sentimento de desprezo, todo abandono que sentimos está apenas nas nossas cabeças. Nós que criamos uma narrativa onde a Nintendo queria ou devia nos compensar pela bosta retumbante que foi Other M e quando esse cenário imaginado não se tornou real, nós mesmos que criamos a segunda narrativa, onde a Nintendo ativamente quis dar um tapa na nossa cara com um jogo menos Metroid possível, onde ela quis nos ofender pessoalmente.

Ou seja, nós mesmos nos colocamos na posição onde nos sentimos desprezados. Que no mundo real, tudo o que aconteceu foi um anúncio de um jogo.

Só isso.

Por sorte, quando percebi que eu mesmo tinha criado a situação que me enfureceu, eu mesmo me tirei dela. Não é sempre que consigo, mas dessa vez deu. Lição aprendida: não levar tudo para o pessoal.

Mas essa foi apenas a primeira raiva. Ainda tem mais.

Quanto à escassez de Metroid


Ao contrário do que já vi muita gente falar sobre a Nintendo, ela não lança todas as suas franquias o tempo inteiro sem parar e sempre do mesmo jeito. Só Mario Party. As outras são uma situação mais complexa, variando de série pra série.

Zelda, por exemplo. Sempre tem pelo menos um título grande e focado nos elementos clássicos da série - aventura, exploração, dungeons, arco e flecha, etc - para cada console ou portátil, desde o NES até o 3DS, com um jogo prometido para o WiiU (não teve no Virtual Boy, mas Virtual Boy). Além do título grande, vai e volta tem um spin-off, como Four Swords (eu sei que ele conta como parte da série principal, até entra na timeline, mas convenhamos, é meio spin-off), Link’s Crossbow Training, Hyrule Warriors e o grande clássico Freshly-Picked Tingle's Rosy Rupeeland.

Por mais que existam fãs tontos que reclamam dos spin-offs, no final das contas sempre teremos algum Zelda nos moldes básicos que tornaram a série um clássico. É uma das certezas que temos como fãs da Nintendo. Até por isso que a revolta com Triforce Heroes é menor.

Agora Metroid é uma situação mais complexa.

Para começar, já tivemos consoles sem Metroid, como o Nintendo 64 e o Game Boy Color, assim como tivemos consoles que só tiveram spin-offs, como o DS (estou considerando Metroid Prime Hunters um spin-off porque sim). Por isso, nunca sabemos quando vai ser anunciado um novo jogo na série, tudo o que podemos fazer é torcer bastante e nos decepcionar 90% do tempo.

E nos decepcionamos de novo.

Ao apresentar O-Jogo-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado, a Nintendo mandou a seguinte mensagem para os fãs: podíamos ter feito um Metroid de verdade, mas preferimos fazer um spin-off.

É claro que ela não mandou essa mensagem. Eu sei disso, vocês sabem disso. Retomando o que aprendi no item anterior, tudo o que a Nintendo fez foi anunciar um jogo.

Assim como é claro que a existência de um jogo não necessariamente anula as possibilidades de outro existir. Fazendo de novo uma comparação com Highlander, não é uma questão de só poder existir um jogo de Metroid, a Nintendo pode muito bem fazer spin-offs e jogos na série principal paralelamente sem o menor problema. Foi assim que ocorreu na época do Metroid Prime Pinball e do Metroid Prime Hunters, produzidos paralelamente e lançados entre Metroid Prime 2 e 3.

A diferença é que sabíamos na época que Metroid Prime era uma trilogia e teríamos mais jogos no formato “clássico”, por se assim dizer, então alguns spin-offs eram até bem-vindos para passar o tempo entre um lançamento e outro. Foi um tipo de época de ouro de Metroid.

Mas hoje em dia Metroid é uma raridade. Por isso foi inevitável questionar a decisão de priorizar um spin-off ao invés de investir num Metroid mais Metroid, afinal de contas não sabemos se a Nintendo vai voltar a lançar Metroids na série principal.

Um paralelo interessante que ouvi num podcast era se a Bethesda tivesse anunciado só o Fallout Shelter, sem o Fallout 4 para acompanhar, e o Fallout Shelter fosse um jogo de futebol. Ia ter uma turba ensandecida de nerds xingando muito no tuíter, provavelmente até maior que a que estamos vendo agora com O-Jogo-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado.

Esse questionamento e essa decepção rapidamente evoluíram para raiva e frustração, e criamos mais outra narrativa nas nossas cabeças, onde a Nintendo não se importa com a série, que tudo o que Metroid significa é um nome para pôr num jogo e aumentar as vendas, que um spin-off é a mesma coisa que um jogo na série principal e que nós somos uma horda de zumbis idiotas que compra qualquer bosta que ela lançar com Metroid no título.

Partes dessa narrativa podem até ser verdade, mas a questão principal é que não era pra termos ficado com tanta raiva assim. Novamente: foi só o anúncio de um jogo e toda a negatividade que sentimos por parte da Nintendo está apenas nas nossas cabeças. A existência d’O-Jogo-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado não significa que nunca mais teremos Metroids metroidescos. Significa apenas que teremos mais um spin-off de Metroid e teremos que esperar um pouco mais para termos o Metroid metroidesco. Só isso.

Paciência, povo.

Até porque a próxima fonte de ira envolvendo O-Jogo-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado foi a pior de todas. Pelo menos para mim. Ou, pelo que eu vi nas internets, só para mim.

Quanto à elementos de uma história que incomodam


Novamente, não vou me demorar repetindo que já falei no meu outro post sobre Metroid, mas a questão é: eu odeio a Federação Galática por causa de Other M. Na minha cabeça, ela e o hômi da Samus se misturaram em uma única entidade e são os grandes responsáveis por arruinar a história da Samus, decorrente da necessidade do Yoshio Sakamoto em criar um passado militar para ela e desconstruindo todo o seu passado e sua imagem.

Por isso, ver um jogo que busca explorar esse elemento do universo me soou como uma tentativa desesperada de validar esse passado criado recentemente para a Samus. A mensagem que eu peguei não foi “olha, o universo de Metroid é rico e possui diversos nuances, como a Federação Galática”, mas “não gostou do passado militar da Samus, que não faz o menor sentido e estragou a personagem? Se ferrou, que não só é canon como a Federação Galática é importante a ponto de ter seu próprio jogo! Há!”

Vou fazer agora o paralelo mais fácil que já fiz sem um esquadro: é como se o George Lucas ficasse insistindo na importância dos Midi-Chlorians na Força.


Por isso que, para mim, mais do que não ter sido o Metroid que eu sonhava ou ser um spin-off que nos roubou uma experiência metroidesca de verdade ou não ter sido o pedido de desculpas que a Nintendo nos devia, O-Jogo-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado representou uma insistência em empobrecer a história e esfregar na minha cara (na minha especificamente) que o universo de Metroid nunca foi uma história que valesse a pena e sempre foi o lixo que o Yoshio Sakamoto tem na cabeça.

Isso me irritou como nunca. Não sei explicar bem, mas quando o assunto é Metroid, a integridade da história é mais importante para mim do que a jogabilidade ou o estilo ou a spin-offzisse dum jogo. E depois de Other M ter arruinado tudo, ver um jogo focado exatamente no elemento diegético que eu considero a principal fonte de todo o problema me pareceu uma ofensa pessoal. Pior que isso, só se a Nintendo tivesse anunciado Hômi da Samus: o Jogo, um jogo de estratégia onde o objetivo é ficar abusando de uma moça apaixonada e obsessiva mandando ela cumprir ordens absurdas e prejudiciais a ela mesma.

Só que não.

Não, a Nintendo não está forçando a Federação Galática na minha cara só para me irritar. Ela só anunciou um jogo. Só isso. Por acaso ele envolve essa entidade do universo de Metroid que eu abomino, mas não é nada especificamente criado para me emputecer.

O difícil foi entender isso. Demorei dois dias.

Conclusão


Essas ofensas cometidas pela Nintendo só existem dentro das nossas cabeças, outros fãs de Metroid. Não podemos nos deixar arrebatar pela frustração e a começar a agir feito criancinhas contrariadas e ficar xingando muito na internet, temos que saber separar as narrativas que criamos das narrativas que acontecem no mundo real. É difícil, mas é melhor para nós mesmos, pois o stress que eu fiquei durante esses dois dias foi desgastante não só para mim, mas também para pessoas a meu redor.

Sério, eu só ficava falando disso, eu estava insuportável.

Tendo dito isto, também não é para aceitar qualquer besteira que a Nintendo ou qualquer outra empresa, seja de games ou não, fizer. A falta de noção da Nintendo em relação à expectativa que tínhamos com qualquer jogo de Metroid foi realmente estarrecedora e digna de ser criticada. Espero que ela tenha pelo menos aprendido a medir um pouco o clima entre os fãs antes de sair anunciando jogos sem mais nem menos.

Só vai ser difícil dela aprender isso e levar a sério seus fãs se ficamos criando furacões de ódio que nem fizemos nessa última semana. Um furacão que eu pulei dentro e transformou minha frustração média em um ódio profundo. A verdade é que eu queria alguma coisa para validar minha raiva e, ao encontrar outros fãs irritados, nós ficamos alimentando a fúria um do outro até ficarmos cegos de tanto ódio e sairmos por aí fazendo bobagens, tipo ameaçar os desenvolvedores ou criar abaixo-assinados. Nós podemos ser melhores que isso.

Só espero que eu me lembre disto da próxima vez que a Nintendo anunciar uma estupidez.

Links


Talking Point: Metroid Prime: Federation Force and Entitled Fury (Nintendo Life)

• Why poor timing caused Metroid Prime: Federation Force's backlash (GameZone)

• E3 2015: What Metroid Prime's Producer Wants in the Next Sequel (IGN)

• What Are The Most Popular And Unpopular E3 Nintendo Games (According To YouTube Likes) (My Nintendo News)

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